sábado, 30 de julho de 2022

Na contra-mão dos Dividendos

Os gurus do buy&hold apontam invariavelmente ações boas pagadores de dividendos como a melhor alternativa de investimento em renda variável no longo prazo. Eles estão certos?

Em princípio, sim. Quem gera dividendos de forma recorrente são companhias sólidas, que passam segurança aos investidores.

Mas vamos ao outro lado da moeda: há boas empresas que não são boas pagadoras de dividendos, mas ainda assim valem a pena.

Consideremos a hipótese de duas empresas iguaizinhas, muito lucrativas, atuando no mesmo nicho de mercado, com o mesmo marketing share, a mesma gestão, o mesmo balanço e demais números (essa situação não existe, óbvio, mas façamos um esforço de imaginar que sim). As duas empresas estão listadas na bolsa, mas a empresa GORDOS-DIVIDENDOS paga gordos dividendos e a empresa DIVIDENDOS-ZERO não paga nada.

Em qual delas vale colocar seu suado dinheirinho?   

Possivelmente seja mais prático optar pela GORDOS-DIVIDENDOS, em razão da renda passiva. No entanto (não esqueçamos que as duas são igualmente lucrativas), possivelmente as ações da DIVIDENDOS-ZERO irão valorizar mais, e se considerarmos o ganho real (valorização do papel mais dividendos) o resultado será o mesmo.

“Ah, mas eu não estou recebendo nada da DIVIDENDOS-ZERO, enquanto a GORDOS-DIVIDENDOS me paga R$ 1 mil todo mês!!”. Ora, se você precisar de dinheiro, basta vender R$ 1 mil de ações da DIVIDENDOS-ZERO todo mês que você terá a tal da renda passiva. Ambas as receitas serão isentas de imposto (dividendo não é tributável, assim como vendas até o limite de R$ 20 mil/mês em operações não-day-trade). Além disso, se você vender apenas a quantidade de ações necessárias a fazer frente à sua necessidade de capital naquele mês, possivelmente o tal efeito bola de neve dos defensores dos dividendos se tornará ainda mais evidente.

Poderíamos até argumentar que a companhia DIVIDENDOS-ZERO terá maior capacidade de investimento e poderá crescer mais que GORDOS-DIVIDENDOS, valendo mais a pena no longo prazo, mas nem vou entrar nesse mérito.

Bem, no fim das contas, o que conta é o resultado final, considerando as compras, as vendas, os dividendos recebidos e a valorização (ou desvalorização) da carteira. Uma empresa boa pagadora de dividendos pode ser um mau negócio, a depender do quanto foi despendido para gerar a tal renda passiva.

Outro dia, um amigo perguntou qual a fórmula para gerar R$ 2 mil de renda passiva mensal. Ora, considerando apenas essa informação, é fácil. Basta comprar R$ 10 milhões em ações de empresas minimamente decentes que você terá essa renda. Mas isso nem de longe estará remunerando adequadamente o capital investido.

Alguns usam o exemplo de um imóvel. “Prefiro ter um apartamento que não valorize tanto, mas me gera um aluguel certo, todo mês”. Ok, não está de todo errado, mas na bolsa de valores, esse “apartamento” pode ser vendido aos pouquinhos, com liquidez imediata, o que torna a analogia inadequada.

A questão do reinvestimento gerando um círculo virtuoso também deve ser relativizada. Você pode receber um bom dividendo e não valer a pena reinvestir de imediato, seja por não haver nenhuma oportunidade nesse momento, pela necessidade de honrar algum outro compromisso, ou mesmo realizar algum sonho (afinal, é pra isso que o dinheiro serve, não é mesmo?). Inversamente, em outro momento, você não recebeu nada, mas tem capital disponível e oportunidade de boas compras. Portanto, deve-se dissociar a renda passiva do reinvestimento obrigatório, pois se fosse automático, essa renda passiva até perderia a razão de ser, e seu beneficiário nunca iria usufruir dela.  

Uma consistente geração de valor em renda variável requer muito estudo, análise do histórico das empresas, de seus indicadores, avaliação micro e macroeconômica e fatores externos, como política e grandes eventos globais. São muitas variáveis, que requerem inclusive um certo grau de futurologia.

O site fundamentus (fundamentus.com.br) traz informações consolidadas interessantes sobre todas as empresas listadas na nossa bolsa, que subsidiam a tomada de decisão. Lá há muitas informações relevantes, como ROI, EBITDA, P/L, DY e outros. Mas, é bom relembrar, são informações passadas, e devem ser avaliadas com parcimônia, pois o que importa mesmo é o que vem pela frente (fragilidades tanto da abordagem fundamentalista quanto técnica).

Já que estamos falando de dividendos, o dividend yield, por exemplo, é bem interessante, pois relaciona o preço da ação com o que foi pago ao acionista no ano. Mas papeis muito depreciados, dividendos extraordinários, lucros não recorrentes, mudanças setoriais, dentre outros, podem distorcer bastante qualquer avaliação.  

Antecipar movimentos é fundamental. De nada adianta trabalhar com informações de curto prazo, que são do conhecimento de todos.

Nesse contexto, o caso mais emblemático é o pagamento pontual de dividendos. Muitos ficam alvoroçados com a divulgação do pagamento de dividendos da empresa X, imaginando comprar o papel na data “com” e embolsar o lucro de um dia para o outro, na ilusão do tal do “almoço grátis”.   

Pessoalmente, até pelo meu perfil mais agressivo, não acompanho muito agenda de dividendos, mas quando vejo uma oportunidade, normalmente sigo na direção contrária, vendendo uma ação até a data “com” e recomprando-a a partir da data “ex”, se valer a pena. Mas por que faço isso se eu mesmo defendo que um dividendo pontual é irrelevante? Porque a maioria das pessoas, por desconhecimento, não acha irrelevante, e compra ações por impulso, achando que está fazendo um grande negócio por receber os dividendos, cujo valor é imediatamente descontado do valor do ativo, e só será recuperado (provavelmente) bem mais adiante.

Nesse momento, por exemplo, estou indo na contra-mão e liquidando minhas posições em Petrobras, apesar do boom do papel, pela divulgação do dividendo altíssimo (DY acima de 30%, pouco comum numa blue chip!) pois considero o momento atual bem complicado. Nesse contexto há que se considerar ainda a questão tributária. Como tenho imposto a compensar em operações não-day-trade e não vou estarei pagando IR sobre essa venda específica, não estou incluindo na conta a questão da isenção sobre os dividendos.  Estou tomando a decisão certa? Talvez não, só vamos saber depois.

Passando por outros casos emblemáticos, há 4 anos a Cielo custava R$ 22, tinha ótimos números e era a queridinha das casas de research. Todas indicavam compra. Mas seus ótimos dividendos foram diluídos pela queda vertiginosa das ações, que perderam 90% do valor. No final de 2021, o papel patinava em torno de R$ 2 e ninguém indicava compra. Poucos meses depois, engatou uma alta contínua de mais de 100%, valendo ao final de julho/22. Seu DY atual é de 33%, e o papel segue em tendência de alta. Já o IRB foi objeto de uma grande aquisição do Barsi, o mago do mercado, que não deve estar muito satisfeito com o desempenho do ativo, que encontra-se em sua mínima histórica.

Pra finalizar, entendo que a estratégia ideal de investimento vai muito das especificidades de cada um, considerando seu momento de vida, seus objetivos, sua disponibilidade de capital, tempo, apetite ao risco, etc.

Adaptando o velho ditado, “dize-me como investes e eu te direi quem és”.