Os gurus do buy&hold apontam invariavelmente ações boas pagadores de dividendos como a melhor alternativa de investimento em renda variável no longo prazo. Eles estão certos?
Em princípio, sim. Quem gera dividendos
de forma recorrente são companhias sólidas, que passam segurança aos investidores.
Mas vamos ao outro lado da moeda:
há boas empresas que não são boas pagadoras de dividendos, mas ainda assim
valem a pena.
Consideremos a hipótese de duas
empresas iguaizinhas, muito lucrativas, atuando no mesmo nicho de mercado, com
o mesmo marketing share, a mesma gestão, o mesmo balanço e demais
números (essa situação não existe, óbvio, mas façamos um esforço de imaginar
que sim). As duas empresas estão listadas na bolsa, mas a empresa GORDOS-DIVIDENDOS
paga gordos dividendos e a empresa DIVIDENDOS-ZERO não paga nada.
Em qual delas vale colocar seu
suado dinheirinho?
Possivelmente seja mais prático
optar pela GORDOS-DIVIDENDOS, em razão da renda passiva. No entanto (não
esqueçamos que as duas são igualmente lucrativas), possivelmente as ações da DIVIDENDOS-ZERO
irão valorizar mais, e se considerarmos o ganho real (valorização do papel mais
dividendos) o resultado será o mesmo.
“Ah, mas eu não estou recebendo
nada da DIVIDENDOS-ZERO, enquanto a GORDOS-DIVIDENDOS me paga R$ 1 mil todo
mês!!”. Ora, se você precisar de dinheiro, basta vender R$ 1 mil de ações da DIVIDENDOS-ZERO
todo mês que você terá a tal da renda passiva. Ambas as receitas serão isentas
de imposto (dividendo não é tributável, assim como vendas até o limite de R$ 20
mil/mês em operações não-day-trade). Além disso, se você vender apenas a
quantidade de ações necessárias a fazer frente à sua necessidade de capital
naquele mês, possivelmente o tal efeito bola de neve dos defensores dos
dividendos se tornará ainda mais evidente.
Poderíamos até argumentar que a companhia
DIVIDENDOS-ZERO terá maior capacidade de investimento e poderá crescer mais que
GORDOS-DIVIDENDOS, valendo mais a pena no longo prazo, mas nem vou entrar nesse
mérito.
Bem, no fim das contas, o que
conta é o resultado final, considerando as compras, as vendas, os dividendos
recebidos e a valorização (ou desvalorização) da carteira. Uma empresa boa
pagadora de dividendos pode ser um mau negócio, a depender do quanto foi
despendido para gerar a tal renda passiva.
Outro dia, um amigo perguntou
qual a fórmula para gerar R$ 2 mil de renda passiva mensal. Ora, considerando
apenas essa informação, é fácil. Basta comprar R$ 10 milhões em ações de
empresas minimamente decentes que você terá essa renda. Mas isso nem de longe estará
remunerando adequadamente o capital investido.
Alguns usam o exemplo de um
imóvel. “Prefiro ter um apartamento que não valorize tanto, mas me gera um
aluguel certo, todo mês”. Ok, não está de todo errado, mas na bolsa de valores,
esse “apartamento” pode ser vendido aos pouquinhos, com liquidez imediata, o
que torna a analogia inadequada.
A questão do reinvestimento gerando
um círculo virtuoso também deve ser relativizada. Você pode receber um bom
dividendo e não valer a pena reinvestir de imediato, seja por não haver nenhuma
oportunidade nesse momento, pela necessidade de honrar algum outro compromisso,
ou mesmo realizar algum sonho (afinal, é pra isso que o dinheiro serve, não é
mesmo?). Inversamente, em outro momento, você não recebeu nada, mas tem capital
disponível e oportunidade de boas compras. Portanto, deve-se dissociar a renda
passiva do reinvestimento obrigatório, pois se fosse automático, essa renda
passiva até perderia a razão de ser, e seu beneficiário nunca iria usufruir
dela.
Uma consistente geração de valor em
renda variável requer muito estudo, análise do histórico das empresas, de seus
indicadores, avaliação micro e macroeconômica e fatores externos, como política
e grandes eventos globais. São muitas variáveis, que requerem inclusive um
certo grau de futurologia.
O site fundamentus (fundamentus.com.br)
traz informações consolidadas interessantes sobre todas as empresas listadas na
nossa bolsa, que subsidiam a tomada de decisão. Lá há muitas informações
relevantes, como ROI, EBITDA, P/L, DY e outros. Mas, é bom relembrar, são
informações passadas, e devem ser avaliadas com parcimônia, pois o que importa
mesmo é o que vem pela frente (fragilidades tanto da abordagem fundamentalista
quanto técnica).
Já que estamos falando de
dividendos, o dividend yield, por exemplo, é bem interessante, pois
relaciona o preço da ação com o que foi pago ao acionista no ano. Mas papeis
muito depreciados, dividendos extraordinários, lucros não recorrentes, mudanças
setoriais, dentre outros, podem distorcer bastante qualquer avaliação.
Antecipar movimentos é
fundamental. De nada adianta trabalhar com informações de curto prazo, que são
do conhecimento de todos.
Nesse contexto, o caso mais
emblemático é o pagamento pontual de dividendos. Muitos ficam alvoroçados com a
divulgação do pagamento de dividendos da empresa X, imaginando comprar o papel na
data “com” e embolsar o lucro de um dia para o outro, na ilusão do tal
do “almoço grátis”.
Pessoalmente, até pelo meu perfil
mais agressivo, não acompanho muito agenda de dividendos, mas quando vejo uma
oportunidade, normalmente sigo na direção contrária, vendendo uma ação até a
data “com” e recomprando-a a partir da data “ex”, se valer a pena. Mas por que
faço isso se eu mesmo defendo que um dividendo pontual é irrelevante? Porque a
maioria das pessoas, por desconhecimento, não acha irrelevante, e compra ações por
impulso, achando que está fazendo um grande negócio por receber os dividendos,
cujo valor é imediatamente descontado do valor do ativo, e só será recuperado
(provavelmente) bem mais adiante.
Nesse momento, por exemplo, estou indo na contra-mão e liquidando minhas
posições em Petrobras, apesar do boom do papel, pela divulgação do
dividendo altíssimo (DY acima de 30%, pouco comum numa blue chip!) pois
considero o momento atual bem complicado. Nesse contexto há que se considerar ainda a questão tributária. Como tenho imposto a compensar em operações não-day-trade e não vou estarei pagando IR sobre essa venda específica, não estou incluindo na conta a questão da isenção sobre os dividendos. Estou tomando a decisão certa? Talvez
não, só vamos saber depois.
Passando por outros casos
emblemáticos, há 4 anos a Cielo custava R$ 22, tinha ótimos números e era a queridinha
das casas de research. Todas indicavam compra. Mas seus ótimos dividendos
foram diluídos pela queda vertiginosa das ações, que perderam 90% do valor. No
final de 2021, o papel patinava em torno de R$ 2 e ninguém indicava compra.
Poucos meses depois, engatou uma alta contínua de mais de 100%, valendo ao
final de julho/22. Seu DY atual é de 33%, e o papel segue em tendência de alta.
Já o IRB foi objeto de uma grande aquisição do Barsi, o mago do mercado, que
não deve estar muito satisfeito com o desempenho do ativo, que encontra-se em
sua mínima histórica.
Pra finalizar, entendo que a
estratégia ideal de investimento vai muito das especificidades de cada um, considerando
seu momento de vida, seus objetivos, sua disponibilidade de capital, tempo, apetite
ao risco, etc.
Adaptando o velho ditado, “dize-me
como investes e eu te direi quem és”.